Jornal do Brasil: Documentário ‘Prezado Mandela’ mostra a realidade daqui como a de lá

http://www.jb.com.br/comunidade-em-pauta/noticias/2013/11/13/documentario-prezado-mandela-mostra-a-realidade-daqui-como-a-de-la/

Mônica Figueiredo

Na última quinta-feira, dia 7, o Borel recebeu a visita do grupo composto por Mario Brum – doutor em História pela UFF, pós-doutorando em Planejamento Urbano pelo IPPUR-UFRJ, autor do livro "Cidade Alta", doutor em História pelo CPDoc/FGV e professor da Uerj/Febf e da Ucam -, Kalinca Copello – doutoranda pela Science and Technology Policy Research, University of Sussex – Marcello Deodoro e Maria do Socorro, representantes da Favela Indiana (Borel). O grupo organizou a vinda de dois sul-africanos, pertencentes ao Movimento de Resistência e luta por Moradia e Dignidade "Abahlali baseMjondolo", criado em 2005, em Durban, para buscar uma política dos pobres, para os pobres e pelos pobres, como eles afirmam. Também foi exibido o documentário intitulado Prezado Mandela.

O Movimento agrega representantes de um conjunto de assentamentos precários e é autônomo. A visita faz parte de um extenso roteiro de exibição do documentário e debates em  universidades, instituições defensoras de Direitos Humanos, ONGs e principalmente favelas que lutam contra as remoções arbitrárias, consequência direta das grandes reformas urbanas que ainda hoje não tomam como prioridade o indivíduo e o direito à moradia digna e à própria cidade por parte dos mais pobres. O documentário mostra a organização, a luta e as dificuldades enfrentadas pelos integrantes do movimento, chegando ao extremo da perda de vidas, e conquistas deste movimento, mostrando que, lá como aqui, a propriedade privada está acima de qualquer prerrogativa humana, mas que a luta por direitos não pode arrefecer e que a união dos mais pobres em torno de uma causa justa sempre traz bons resultados, mesmo que preços altos sejam pagos por isso. Faz parte do jogo.

A tentativa do Movimento Abahlali de enviar ao líder Mandela uma carta cobrando ações que tirem da indignidade habitacional em que vivem os representantes do Movimento e mais um sem número de pessoas no assentamento "provisório" é um dos interessantes momentos do documentário, e lembra muito o que vivemos aqui no passado e ainda hoje onde o provisório acaba se tornando definitivo, pela eficácia dos poderes públicos (Legislativo, Executivo e Judiciário) em favorecer os proprietários em detrimento da classe trabalhadora na maioria das vezes.

Prezado Mandela mostra que, aqui como lá, a vida de quem é pobre não vale absolutamente nada, é uma vida precária, provisória, descartável. A questão da moradia, aqui como lá, ainda não se resolveu. O grande sonho da maioria da população é ter sua casa própria. Por ironia, um comercial de grande veiculação diz que viver bem é morar bem. O morar  para o homem/mulher simples é ter a tranquilidade de que o seu lugar de moradia, de afetividades e identidade será preservado. Com a remodelação do Rio de Janeiro, em uma escala que lembra muito a do então prefeito Pereira Passos (1902-1906) e seu "bota-abaixo", segue assim como em planos urbanísticos anteriores a mesma lógica de traduzirem-se em altos custos sociais .

Os pobres que estão em sua maioria habitando as favelas são forçados a irem para áreas cada vez mais distantes. Se não vão pela remoção de fato, vão pelo que chamamos de "Gentrificação ou  Remoção Branca", imperceptível em um primeiro olhar, mas que ao longo do tempo vai redefinindo o layout da cidade e fazendo "desaparecer" uma parcela significativa de seus habitantes. Não é para menos que o último recorte de dados do IBGE feito pelo Instituto Pereira Passos e intitulado Cadernos do Rio,tenha demonstrado que na Tijuca (que tem 163.850 moradores segundo o Censo de 2010), por exemplo, o número de negros diminuiu (hoje são cerca de 27,7%). Poderíamos discorrer sobre algumas interveniências que levaram a esse resultado como, por exemplo, o êxodo de bairros da zona sul que encareceram. Talvez os negros que ascenderam à classe C estejam indo para outras áreas, enfim, um sem número de conjecturas, mas a verdade é que este atual modelo de desenvolvimento não consegue se renovar e lembra um trecho de uma música que diz: "Eu vejo o futuro repetir o passado", como no caso da remoção de parte do morro Santa Marta, primeira favela a ser pacificada em 2008.

Assim, aqui como lá, a convergência de ações e o diálogo entre as favelas e seus atores, como o movimento de Durban, agregando conhecimento e estratégias amealhadas na longa caminhada dos movimentos comunitários ou de favelas é extremamente necessária. O evento realizado no Alemão no último sábado, 9, é uma prova disso. Intitulado "Circulando- Diálogo e Comunicação na Favela por Direitos", o documentário do movimento sul-africano também foi exibido como parte da ação onde a música, dança, grafite e muita conversa sobre a favela do Alemão real, a do dia-a-dia, não aquela da novela, vive. Há necessidades básicas como saneamento que ainda estão pendentes, apesar de a favela ter recebido a fase 1 do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), equipamentos urbanos e até um teleférico, o direito percebido e vivido se contrapõe claramente ao veiculado pelo poder público.

Em meio a tantas contradições que marcam a vida dos que vivem em favelas, assentamentos precários, aglomerados subnormais e um sem número de denominações e categorizações, seguimos lançando mão da palavra de ordem das favelas nas manifestações que ocuparam as ruas. "A favela nunca dormiu", ela sempre sonhou de olhos bem abertos e pés bem rentes ao chão. Aqui como lá na África, ou na Índia, chegará o dia em que deixarão de ser tratados como cidadãos(ãs) de segunda classe e serão detentores do direito e não mendicantes do tal. A nossa luta é por respeito e dignidade.

"A nossa luta é todo dia, favela não é mercadoria, Favela é Cidade."